Voltando a empresa em que trabalhava como coordenador de processos, onde ocorreu o episódio relatado por mim no post "Lições de liderança - Saber reconhecer os excessos", algum tempo depois, me deparei com outra situação complexa.
De volta ao turno da noite, após quase um ano, minha gestora na época, quando solicitou minha ida para aquele horário mais uma vez, me fez algumas recomendações. Porém uma delas foi bem severa. Ela tinha informações de que pessoas estavam dormindo em horário de trabalho. Dessa forma, ele me deu carta branca para agir conforme entendesse, desde mandar a pessoa de volta para casa, até aplicar punições (advertência, suspensão ou mesmo desligamento). Munido de toda essa argumentação, iniciei novamente minhas atividades noturnas naquela empresa.
Logo na primeira noite, durante uma caminhada pela linha de produção, resolvi dar uma ligeira conferida no setor de paletização. Este setor tinha uma característica peculiar. Era climatizado a aproximadamente - 5ºC, já que era uma fábrica de produtos refrigerados. Lá os produtos oriundos da linha de produção, eram colocados em paletes conforme seu dimensional.
Assim que entrei, me deparei com um colaborador fazendo um leve movimento de aproximação a um palete incompleto, e lá permanecer imóvel por alguns segundos. Ele estava metade sentado e metade encostado. Ao me aproximar, percebi que o mesmo cochilava levemente. Pude perceber que foi uma real perda repentina de forças, provavelmente por cansaço ou por sono mal dormido durante o dia. Realmente não foi uma coisa premeditada, onde a pessoa praticamente prepara um local e improvisa uma "cama", para realmente dormir. O que mais me chamou a atenção, foi que era um dos melhores operadores daquele setor, muito elogiados por toda a chefia e pelos colegas.
Assim que me aproximei, ele despertou, pois como disse, era um leve cochilo, claramente perceptível. Sua expressão ao me ver foi de extrema preocupação. Levantou-se rapidamente, se recompôs, pediu desculpas, começou a se justificar, etc. Em uma fração de segundo, dezenas de alternativas passaram em minha cabeça, para saber qual decisão tomar, para manter o alinhamento com minha gestora. Minha primeira ação foi pedir para que ele me acompanhasse. Ele veio, justificando que não havia conseguido dormir durante o dia, por conta de afazeres de sua vida pessoal. E isso realmente ocorre, pois nossas vidas tendem a ser tão corridas que tanto faz trabalharmos a noite quanto de dia, as vezes ficamos com muito pouco tempo para dedicarmos ao sono suficiente para nos recompor.
Enquanto ele se justificava, eu apenas pedia para que ele me acompanhasse e assim ganhava tempo para pensar no que fazer. Dava para perceber seu temor sobre qual seria minha atitude punitiva em relação a ele. Pedi então que me acompanhasse ao vestiário e que imediatamente lavasse bem o rosto. Ele estranhou, mas fez. Em seguida, solicitei que me acompanhasse a área de lazer, externa ao refeitório, fato esse que lhe causou mais estranheza ainda. Chegando lá, bem no local onde havia uma máquina de servir café, pedi que me acompanhasse em um copo duplo de café. E mais uma vez o colaborador me acompanhou.
Após o café, falei com ele sobre as recomendações que havia recebido de minha gestora e sobre o que eu estava autorizado a fazer com ele. Porém, de imediato afirmei que não faria nada daquilo. Optei por reforçar o risco que é cochilar no seu posto de trabalho e também o desrespeito que significa aos demais colegas que estão se mantendo acordados, mesmo extremamente desgastados. Mas também reconheci sua condição de desgaste, pelo fato de não ter dormido durante o dia. Tudo com muita diplomacia, respeito e mansidão.
Finalizei nosso diálogo, pedindo um compromisso da parte dele. Pedi que toda vez que percebesse que o sono poderia vencer, que passasse em minha sala para me convidar para um café. Nessa ocasiões, ele lavaria o rosto, exatamente como fizemos e na sequência iríamos até a máquina de café. Falei para ele que gostava muito de café e tendo uma companhia para uns 5 minutos de intervalo, seria muito bom. Também afirmei que preferia tê-lo uns 5 minutos fora do posto de trabalho, do que 30 segundos cochilando, pois durante esses segundos, ele poderia sofrer um acidente ou até mesmo causar um a outro colega.
Bom, pela manhã, ao me preparar para sair, minha gestora chegou e fui até ela relatar o ocorrido. Confesso que estava preocupado, pois temia que ela me repreendesse por não tê-lo punido. Mas para minha agradável surpresa, ela gostou da postura e elogiou minha conduta. Afinal, era um bom colaborador, sem histórico de falhas e, como disse acima, não houve premeditação de sua parte para dormir em serviço.
E o que vocês acham que aconteceu com ele daí em diante? Ele nunca mais cochilou e eu, enquanto fiquei mais uma temporada no turno da noite, ganhei um bom parceiro para alguns cafés ao longo da madrugada. Esse colaborador permaneceu na empresa, pelo menos até a minha saída (uns três anos depois), já que era realmente uma boa referência dentro da equipe do setor em que trabalhava.
Diante desse relato, podemos concluir que a nossa opção deve sempre ser em primeiro lugar orientar. Isso gera fidelidade e evita perdas desnecessárias de pessoas que agregam valor e geram bons resultados, sejam em números ou sejam na manutenção da harmonia dentro dos setores e departamentos nas empresas. Uma boa conversa possui valor inestimável! Cative a fidelidade!